terça-feira, 28 de dezembro de 2010

É Natal e nasceu uma menina:

Lélia Almeida.

Numa tardinha quente de fevereiro, minha mãe, grávida de sete meses, subiu os três andares do edifício onde morava, carregando uma melancia. O trabalho de parto começou naquela noite. E ninguém sabia que era um casal de gêmeos. Meu irmão nasceu um menino muito pequeno e quando minha mãe fez força para expulsar a placenta o médico anunciou que era uma menina, menor que ele ainda. Durante muito tempo o meu apelido familiar foi o resto. Meu irmão ganhou peso e pôde ir para casa e eu fiquei ainda um tempo na incubadora do hospital. Fiquei para ganhar peso através de uma sonda de soro e gotas de leite materno pingadas num chumaço de algodão pelas mãos de freiras fervorosas que me batizaram como Lélia Maria, em homenagem à Virgem, para que eu sobrevivesse. Sinto que todas as decisões da minha vida não foram, inteiramente, tomadas por mim. Mas pelo espírito valente daquela menina que se mantinha a sopros e determinação, dia a pós dia, decidindo ficar.
Todos os dias deste ano de 2010 vivi provas que me pareceram impossíveis de suportar, e ao final de cada dia, agradeci a travessia. Mas hoje eu sei que a decisão de suportar ou desistir não me cabia. Aquela menina diminuta já tinha decidido por mim, lá, no início de tudo. E hoje, quando me desespero entro em sintonia com o espírito dela, o corpo enrolado em fios e panos, numa incubadora que talvez lembrasse a precariedade da manjedoura como a daquela história de tanto amor. Ela respira e não desiste. Eu reverencio aquela menina a cada noite escura que meu coração pede trégua. Então eu fico, eu digo, depois de orar, e agradeço a sua força.
Eu fico. E quero a minha jornada por inteiro.
Com tudo o que me cabe.
Amém!

4 comentários:

Dan Porto disse...

Ah Lélia
Que história linda. Oxalá todos nós soubéssemos e nos entregássemos ao fluxo da vida, sem medir nada com a razão e a lógica.
Feliz 2011, sempre melhor que o ano anterior.

A Negra Ama Jesus disse...

Lélia! O tempo nos revela coisas sem explicação. Pois foi hoje, no último dia de 2010, que te reencontrei, com um texto que me fez chorar. Ouvir histórias de mulheres, irmãs de provas e de signos. Lembrei de Santa Cruz, de tudo. Moro em Goiânia e me entreguei definitivamente à arte. Temos um projeto, eu e o Marcus. Convido você a conhecê-lo. Saudades. Bjos da Cris.

Anônimo disse...

Eia, Alazão!Cada história mais linda!
Eu sabia que tu vinhas lá de aruanda! heheheheh!

VERA disse...

Lélia, não canso de ler tuas crônicas a a cada vez que leio coisas tão verdadeiras sobre nós nulheres, fico mais encantada com a facilidade que tens em expressar teus sentimentos e os inúmeros "EUS" que existem dentro de ti.