domingo, 7 de agosto de 2011

As minhas dores:

Lélia Almeida.

As minhas dores. Nem que eu quisesse, poderia me livrar delas. Elas não passam assim nomás, como nuvens, são profundas e se formaram como sulcos no caminho que é o meu. Não posso guardá-las escondidas como se não fizessem parte da minha vida, da história dos meus dias e das minhas noites. Elas são inseparáveis de tudo o que sonhei e desejei um dia, de tudo o que desejei ser ou ter, inseparáveis do que consegui conquistar.
As minhas dores, quero-as todas só pra mim, minha velhas conhecidas, amigas. Quem seria eu sem elas, as minhas dores? Um ser tolo, superficial, sem dúvidas. Foram elas que me ensinaram as seiscentos e trinta e oito Lélias que eu carregava dentro de mim, as trezentas e oitenta e oito que ficaram pelo caminho, e foram, as minhas dores, sim senhor, que me ajudaram a dar de beber a todas eus e a despedir-me daquelas que eu já nem era mais. Como doem as minhas dores, mas quero-as todas, egoísta, só pra mim. Que seria eu sem elas? Grandes conhecidas e desconhecidas, que me embalaram nas minhas tantas mortes e me acolheram nas minhas tantas vidas, não, não dou minhas dores pra ninguém.
E vamos por aí, mundo afora fazendo tudo para acabar com elas, as benditas e benfazejas dores, abençoadas, que nos ajudam na travessia mais árdua das nossas transformações sagradas e inevitáveis em nós mesmos, é claro, pois sim. Ninguém mais quer as suas dores, há remédios para todas elas, toma remédio que passa, passa pomada que passa, come tal coisa que passa, não come que também passa, tudo para esquecê-las. Quando, na verdade, tínhamos que reverenciá-las. Benditas, as nossas dores, que nos dão a nossa medida mais humana e pequena, filhos delas somos, doloridos de tanta vida e de tanta morte, fartos da exuberância de tantas transformações. Sentir dor passou a ser um defeito, é como ter uma orelha grande, um nariz torto, uma barriga, uma corcunda, um olho vesgo. E temos de remediar, curar, como se doer não fizesse parte da vida. Mas quando dói, dói mais embaixo, dói na alma e não há remédio que faça passar. Por que, como podemos ficar felizes e contentes de novo, sem passar pelas nossas dores? É possível passar pela vida sem viver, é possível passar pelas dores sem senti-las, é possível viver sem morrer? Quantas tenazes resistências em não viver as dores e nossas obrigatórias e inevitáveis mortes, quantas resistências em viver a vida no que ela é, um ciclo de plenitude e finitude.
Quero as minhas dores todinhas, inteiras, sem remédio, nem alívio, porque quando elas passam, só eu sei como é bom de novo, estar ali, velha e fresca, embalada pelo fluxo inevitável, indo para o caminho de mim, o único real, o único possível.

Um comentário:

Silvia Badim disse...

Ah querida Lélia. Obrigada pelo texto. Por aqui venho martelando que só a dor vivida é adubo para os novos tempos. Um beijo grande.