Prece para Santo Antonio, por Lélia Almeida.
Santo Antonio, não vou pedir nada ao senhor no dia
de hoje. Não vou pedir nada sem antes agradecer, que eu posso até ser pidona e
esfomeada, mas sou grata, céus, só eu sei como sou grata. Pois quem seria eu
sem os seus favores e a história dos meus amores? Por isso agora, do alto dos
meus cinquenta anos, nem penso em pedir nada, mas não posso deixar de agradecer
a vida cheia de graças que o senhor me propiciou. O uruguaio que me ensinou a
beijar de língua no portão da minha casa numa noite de inverno lá na fronteira,
as mãos dadas na matinê e o amor dublado em espanhol mexicano, os namorados dos
bailes de carnaval, piratas, ciganos, marinheiros, o namorado alemão, o inglês,
a camiseta do Inter do Ricardo, a estatueta que o Russel me deu no Portobello
Market, que era um coelho e uma coelha, o Marcelo chegando no aeroporto, o
italiano beijando a minha mão, dançando na chuva com o Pablo, o livro da
Virginia Wolf que o Nando trouxe de Montevideo e que lemos juntos, chorando,
fumando os dedos no banco da praça, mãos dadas na praia com o Johan depois de
20 anos, meu irmão que me consola porque a minha coelha morreu, meu outro irmão
que me rouba de um baile de Réveillon e me leva para um terreiro para uma festa
de verdade. Os meus primos, ai os meus primos! O que me deu a Mafalda, o
Cortázar, o Omar Khayyám, o que disse pra minha mãe que sim, que ia me levar
pra casa depois do baile, mães loucas estas que confiam uma prima a um primo!
Ele que olhava comigo a vitrine da casa de decoração de madrugada e com quem eu
sonhava ter uma casa e com quem tive um filho. As mãos daquele outro safado
despertando a minha pele mais profunda e acabando com as minhas vergonhas. O Zé
que me dava de beber nas mãos em concha. O olhar perdido do Carlo indo embora
no trem que partiu e nunca mais voltou. O abraço de urso do Roberto, o Gian que
me chama de meu amor até hoje, ai que vida farta, com estes homens que me
ensinaram o melhor de mim e que eu amo com amor infinito e além como aprendi com
a Sofia. Os que se misturam com as cidades, ai minha Santa Fé de Bogotá! Os
inconfessáveis. Lembro só das coisas boas, Santo Antonio, fiquei boba hoje, com
a fartura das boas lembranças. Nem lembro mais dos rios de lágrimas derramados
a cada despedida, cada traição, só lembro disso e nada mais. Do primeiro olhar,
das promessas e das esperanças imensas que só cabem neste primeiro olhar, os
beijos sem fim, os amores cristalizados. E como eles se acomodaram no meu
coração e me transformaram numa senhora de olhar saudoso e sorriso maroto.
Grata, sobretudo grata, Santo Antonio, pela vida farta que só as namoradeiras
têm. Hoje lembro de todos eles. Abençoo cada um, os galinhas e os cretinos
também, que a vida sem eles não teria a menor graça, e aos do bem, mais ainda.
Obrigada, Santo Antonio, pelo milagre renovado a cada encontro e a certeza que
a vida sem os amores é uma vida que não vale a pena ser vivida. A todos eles,
meu santo de devoção, a minha homenagem no dia de hoje, e ao senhor, que me
provê, a minha eterna gratidão! Amém!