A bruxa,
por Lélia Almeida:
O João
Francisco está louco por mim. Pensar nisto me anima a vida. Vou dormir pensando
nisto, acordo pensando nisto, que o João Francisco me ama, me quer, me adora.
Convidou-me pra sair na sexta e eu disse que só posso no sábado, pra fazer um
charminho, é claro, pra não dar muito mole. Ligo pra Marcela pra contar, ela
diz que mereço, que é mérito meu ter conquistado aquele gato, lindo, rico,
carrão, e ligo pra Fer e pra Helô. Todas felizes por mim, poderosa você, amiga!
Uma sombra entra no quarto. Não, não é uma sombra. É ela, a Basília, que tem o
dom de acabar com a minha alegria. Nunca gostei desta negra, penso. Minha mãe
me proibiu de falar assim, mas eu sei o tanto que não a suporto e acabou. Não
gosto do olhar dela, que parece que olha dentro de mim, nem da cara séria, ela
que tem quase a minha idade e parece uma velha. Ela espana os livros e eu volto
para o sol, para as risadas com as minhas amigas. Ele tá louco por mim, o João
Francisco, eu repito. João Francisco me ama e a vida é boa. E vou ao salão no
sábado, vou arrumar o cabelo, fazer a mão, o pé, e ficar linda para o João
Francisco. Volto a elas, ele tá caidinho por mim, tá de quatro, tá louquinho
por mim. E a sombra se projeta e se afasta como se o quarto estivesse sob as
asas de uma borboleta de asas negra, uma bruxa. Uma irritação imensa vai
tomando conta de mim. Viro-me pra ela, esta Basília que nunca vai saber o que é
ter um homem do nível do João Francisco aos seus pés e não aguento: – Qual é o
seu problema, nunca viu uma mulher feliz, sua idiota? O João Francisco tá louco
por mim, eu encho a boca os pulmões, dona do mundo, dona do João Francisco e
esta negra horrorosa, metida, que não pode ficar quieta e engolir a língua,
desagradável, e que olha nos meus olhos, e faz a pergunta, a única que não
precisava fazer, a infeliz, invejosa, a estraga prazeres: - E você? Você por
acaso é louca por este João Francisco?
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