Ladra
sem vergonha, por Lélia Almeida.
Estive
numa palestra onde as autoras se diziam decentes e éticas em relação ao seu
trabalho (duas delas eram jornalistas), que respeitavam as fontes, os
testemunhos e que não misturavam o ofício de escritora com o de jornalistas bla
bla bla. Me senti péssima naquele universo tão ético e perfeito. Eu que roubo
como uma mendiga avarenta e voraz as histórias de todo mundo, uso frases que
ouço das pessoas, transformo-as nas falas dos personagens, faço dos meus amigos
personagens, me senti o ó da coisa horrorosa. Eu que minto e nem sempre sou
ética e que sou capaz de tudo em troca das boas histórias, me senti a última
das criaturas na frente daquele panteão de gente legal e decente. Quem escreve
mente, trapaceia, brinca, engana, estende armadilhas, vai num churrasco e ouve
uma conversa banal e alguém fala Lia, e agradeço a interlocutora, porque a
minha próxima personagem vai se chamar Lilia, mas só decido ali, naquele
momento em que aparentemente escuto aquela desinteressante história de amor e
separação, mas estou com o pé, um pedaço da alma, lá, no outro mundo, de onde
nunca saio totalmente, no laboratório, desamparada, desolada, escrevendo,
inventando. Sem pensar se sou suficientemente boa ou certa ou decente, pois a
literatura é feita de uma matéria prima outra, e vem de um lugar onde a
preocupação em agradar ou ser legal não tem muita cabida.
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